Fernando Calazans
O papel bonito, o papel exemplar de profissional de futebol, que Leonardo Moura desempenhou no México foi muito além dos 45 minutos esfuziantes em que ele, mais do que ninguém, deu ao Flamengo a vitória de 4 a 2 sobre o América. Antes mesmo do jogo, Leonardo Moura já começara a mostrar que o futebol, para ele, é mais do que uma atividade em que ganha honestamente seu sustento.
Foi quando fez questão de tirar uma foto no mesmo gol, na mesma trave em que Carlos Alberto Torres, lateral-direito como ele, marcou o quarto e último gol da seleção brasileira contra a Itália, na final da Copa do Mundo de 70, no México. Brasil tricampeão mundial de futebol!
Trinta e oito anos depois, o primeiro gesto de Leonardo Moura no majestoso Estádio Azteca foi reverenciar Carlos Alberto Torres, o gol de Carlos Alberto Torres e toda a seleção brasileira de 70. É a fotografia que ele vai guardar para sempre.
O que é essa fotografia? É o gesto de amor de Leonardo Moura pelo futebol em geral, pelo futebol brasileiro, pelo seu ídolo, pela sua profissão. Leonardo Moura sabe que o Brasil ganhou da Itália na final de 70, sabe que foi naquele estádio, sabe que o Brasil ali se sagrou tricampeão do mundo, sabe que o autor do último gol foi Carlos Alberto e sabe que Carlos Alberto era lateral-direito como ele.
O que tem isso de mais? Tem que isso ocorre um mês depois de quatro ou cinco patetas da atual seleção brasileira de futebol chegarem a Londres para comemorar o cinquentenário do primeiro título mundial do Brasil, em 58, na Suécia, e não saberem dizer um nome sequer daquela equipe histórica do futebol mundial. Não sabem dizer o nome de Pelé, nem de Garrincha, nem de Didi, nem de Nílton Santos, nem de Djalma Santos, nem de Zagallo, nem de Zito, nem de Bellini, nem de Vavá, nem de ninguém.
Um dos patetas, ao qual Sérgio Augusto se referiu, em artigo magistral no “Estado de S.Paulo”, como “digno do semblante paleolítico que Deus lhe deu”, chegou ao primarismo de dizer assim: “Eu não era nascido naquela época.”
Que inteligência, não é?
Pois o Leonardo Moura tampouco era nascido quando, depois de uma trama brilhante que começou com Clodoaldo na defesa, Pelé deu o passe final para Carlos Alberto emendar para as redes italianas.
Um mês depois de quatro ou cinco jogadores da seleção brasileira exibirem o absoluto egocentrismo de suas existências, a falta de zelo pela própria profissão, o desamor pelo futebol até de seu país, Leonardo Moura mostra que ainda há pensamento e sentimento entre jogadores de futebol. Mostra, sobretudo, que jogadores de futebol ainda têm ídolos, ídolos em sua profissão.
Há pouco, em entrevista à ESPN Brasil, Gérson, o Canhotinha de Ouro, levantou-se da cadeira, ficou em pé, para falar de seus mestres - Tim, Zizinho e Didi. Ficou emocionado. A voz quase falhou. Gérson estava homenageando seus ídolos. A impressão que se tem, ouvindo jogadores de hoje, é que têm uma vida vazia de ídolos. Não têm ídolos, nem mestres, nem exemplos. Nada.
Leonardo Moura é uma exceção. Por isso, Toninho Nascimento disse que o Deus do futebol abençoou Leonardo Moura com aquela atuação exuberante no segundo tempo e com um gol nas mesmas traves vazadas por Carlos Alberto Torres, em 70.
E por isso a coluna é dedicada a ele, Léo Moura.
Extraído de O Globo, 02/05/08.